Crise financeira: uma constante
robusta
OS ANOS QUE SUCEDEM 1970 não têm
precedentes quanto à volatilidade nos preços das commodities, moedas, imóveis e
ações.
Um grande número de bancos em três,
quatro ou mais países entrou em colapso quase ao mesmo tempo.
Houve quatro ondas de crises
financeiras.
Cada uma foi seguida por uma
recessão, e a desaceleração econômica que começou em 2008 foi a mais severa e
mais global desde a Grande Depressão na década de 1930.
A primeira onda de crises começou nos
anos 1980, quando Brasil, México, Argentina e dez outros países em
desenvolvimento não puderam pagar seus empréstimos de US$ 800 bilhões.
A segunda ocorreu em meados de 1990 e
engolfou o Japão e três países nórdicos – Finlândia, Noruega e Suécia.
A terceira foi a crise financeira
asiática de meados de 1997.
Inicialmente, a Tailândia, a Malásia
e a Indonésia envolveram-se, e, depois, o Brasil, a Coreia do Sul, a Rússia e a
Argentina também sucumbiram.
Em retrospecto, a crise financeira que
impactou o México durante sua transição presidencial no final de 1994 foi a
precursora da tensão no sudeste asiático trinta meses depois.
A quarta onda foi disparada no início
de 2007 com a queda dos preços dos imóveis nos Estados Unidos, Grã-Bretanha,
Espanha, Irlanda e Islândia – e então dos títulos dos governos grego, português
e espanhol.
Cada fase de crises seguiu uma onda
de bolhas de crédito.
As dívidas de grupos posicionados de
modo similar aumentaram a uma taxa duas a três vezes maior do que a taxa de juros
de três, quatro ou mais anos. Geralmente, esses devedores usaram o dinheiro
para comprar imóveis – propriedades residenciais e comerciais.
Entretanto, a primeira onda de bolhas
de crédito envolveu o rápido crescimento de empréstimos dos principais bancos internacionais
para os governos e as empresas estatais no México e em outros países em desenvolvimento,
o que continuou por quase dez anos.
O Japão foi o país-chave na segunda onda
de bolhas, onde os preços dos imóveis e ações aumentaram cinco a seis vezes na
década de 1980.
Ao mesmo tempo, os preços desses dois
tipos de ativos tiveram um surto na Finlândia, Noruega e Suécia.
A terceira onda de bolhas centrou-se
inicialmente na Tailândia e em alguns dos seus vizinhos no sudeste asiático.
A quarta ocorreu principalmente nos
mercados imobiliários dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Espanha, Irlanda e Islândia.
Cada uma dessas bolhas de crédito
envolveu fluxos internacionais de dinheiro, que induziram grandes aumentos nos
valores das moedas e nos preços dos imóveis ou ações nos países que recebiam
esse dinheiro.
As bolhas sempre implodem.
Por definição, envolvem aumentos não
sustentáveis nas dívidas de um grupo de devedores ou nos preços das ações.
A dívida pode aumentar mais rapidamente
do que a receita por alguns poucos anos; não por um período extenso.
Enquanto ela aumenta 20 ou 30% ao
ano, os devedores têm um registro impecável de pagar os juros programados no
prazo.
No devido tempo, a taxa de
crescimento da dívida diminui, e chega a “hora da verdade”, quando não há
dinheiro suficiente para novos empréstimos para pagar os juros dos empréstimos
pendentes.
Então os preços dos imóveis e ações
caem.
Além disso, quando a taxa de
crescimento das dívidas diminui, as moedas sofrem depreciação, e muitas vezes,
de modo muito rápido.
Quando os preços dos imóveis caem, os
devedores são o primeiro grupo a sofrer perdas.
Depois que eles deixam de pagar, as
perdas transferem-se para os financiadores.
A implosão das bolhas imobiliárias e
de ações no Japão levou à falência em massa dos bancos e a um prolongado
período de crescimento abaixo da tendência.
A implosão da bolha dos preços de ativos
na Tailândia, em meados de 1997, disparou declínios nos valores das moedas e
preços dos ativos por toda a região, tendo como resultado recessões.
Entretanto, não houve falências significativas
no mercado financeiro dos Estados Unidos quando os preços das ações caíram 40%
entre 2001 e 2003, e a recessão resultante foi breve e superficial.
A faixa de movimento nos valores das
moedas nacionais desde o início de 1970 foi a maior da história.
Em 1971, os Estados Unidos
abandonaram a paridade de US$ 35 por onça de ouro (aproximadamente US$ 1,23 por
grama) que havia sido estabelecida em 1934.O esforço para manter uma versão
modificada do sistema Bretton Woods de moedas atreladas, formalizado pelo Acordo
Smithsonian (Smithsonian Agreement) de 1972, fracassou, e, no início de 1973,
foi adotado como padrão um regime de taxas de câmbio flutuantes.
No início da década de 1970, a visão
dominante no mercado era de que o marco alemão e o yen japonês poderiam
valorizar-se em 10 a 12%, porque suas taxas de inflação foram mais baixas nos
anos anteriores do que as dos Estados Unidos.
O marco alemão e o yen japonês
valorizaram-se mais rapidamente do que o previsto durante a maior parte dos
anos 1970, e então as duas moedas desvalorizaram-se significativamente na
primeira metade dos anos 1980, embora não até os níveis de 1970.O peso
mexicano, o cruzeiro brasileiro, o peso argentino e as moedas de outros países
em desenvolvimento desvalorizaram-se em 30 a 40% ou mais no começo dos anos
1980.A markka finlandesa, a coroa sueca, a libra britânica, a lira italiana e a
peseta espanhola perderam mais de um terço do seu valor nos últimos seis meses
de 1992.
O peso mexicano foi desvalorizado em
mais da metade durante a transição presidencial no final de 1994.
A maioria das moedas asiáticas – o
baht tailandês, o ringgit malaio, a rupia indonésia e o won sul-coreano –
desvalorizou-se bastante durante a crise financeira asiática do primeiro semestre
de 1997.
O peso argentino perdeu mais de dois
terços do seu valor nos primeiros meses de 2001.
A coroa islandesa perdeu metade do
que valia em 2008.
O euro, a nova moeda que onze membros
da União Europeia adotaram no começo de 1999, logo se desvalorizou em 30%,
valorizou-se em 50% no começo de 2002.As mudanças nos valores dessas moedas
individuais foram muito maiores do que aquelas previstas com base nas
diferenças entre as taxas de inflação dos Estados Unidos e as de outros países.
O overshooting e o undershooting das
moedas nacionais foram muito maiores do que em qualquer período anterior.
Os aumentos nos preços das commodities
nos anos 1970 foram espetaculares.
O valor em dólares do ouro nos
Estados Unidos aumentou de US$ 40 por onça (US$ 1,41 por grama) no início dos
anos 1970 para quase US$ 1.000 dez anos depois.
Era de US$ 450 no final dos anos
1980, e US$ 283 no final dos anos 1990, e excedeu US$ 1.200 no verão de 2010.
O preço do petróleo era de US$ 2,50
por barril no início dos anos 1970, e US$ 40 no fim da década.
Em meados da década de 1980, era de
US$ 12, e ao final da década, alcançou US$ 40 depois da invasão do Kuwait pelo
Iraque.
O preço do petróleo atingiu US$ 150
no começo de 2008 e caiu para menos de US$ 50, aumentando, então, para US$ 80.
O número de falências bancárias
durante as décadas de 1980 e 1990 foi muito, muito maior do que nas décadas
anteriores.
Muitas delas foram eventos isolados:
tanto o Franklin National Bank, em Nova York, quanto o Herstatt AG em Colônia,
Alemanha, fizeram grandes apostas em mudanças de taxas de câmbio no início dos
anos 1970 e, subsequentemente, perderam muito.
O Crédit Lyonnais, que já foi um
banco estatal e o maior da França, aumentou rapidamente seus empréstimos no
esforço de se tornar um banco internacional de primeiro escalão.
Seus empréstimos ruins custaram aos
contribuintes franceses o equivalente a mais de US$ 30 bilhões.
Entretanto, a maioria das falências
de bancos e de outras firmas financeiras foi sistemática, refletindo as
mudanças neste ambiente.
Três mil associações de poupança e
empréstimos dos Estados Unidos faliram nos anos 1980, com perdas de mais de US$
100 bilhões para os contribuintes norte-americanos.
Quando as bolhas dos imóveis e ações
japonesas implodiram, as perdas sofridas pelos bancos japoneses foram muitas
vezes maiores do que seu capital.
Eles passaram a ser implicitamente
braços do governo.
De modo similar, quando o peso
mexicano e as moedas dos países em desenvolvimento se desvalorizaram fortemente
no início dos anos 1980, a maioria dos bancos desses países faliu.
A combinação das grandes perdas com
os empréstimos dos seus devedores domésticos foi mortal, em parte devido às
grandes perdas que eles sofreram em consequência da desvalorização de suas
moedas.
Virtualmente, todos os bancos da
Finlândia, Noruega e Suécia foram à falência quando as bolhas dos seus mercados
imobiliários e de ações implodiram na primeira metade dos anos 1990.
A maioria dos bancos mexicanos faliu
no final de 1994, quando o peso sofreu uma forte desvalorização.
De modo similar, bancos da Tailândia,
Malásia, Coreia do Sul e outros países da região – exceto Hong Kong e Singapura
– faliram depois da crise financeira asiática em meados de 1997.
O forte declínio nos preços dos
imóveis residenciais em países como Estados Unidos, Irlanda e a
Grã-Bretanha, iniciado no final de
2006, levou a grandes investimentos governamentais – “resgates” – nas
instituições financeiras.
Em 2008, muitas das principais
empresas ligadas a bancos de investimentos dos Estados Unidos desapareceram ou
foram forçadas a procurar parceiros mais fortes para fusão.
O governo britânico “nacionalizou” o
Northern Rock, líder em hipotecas do país, e tornou-se o principal acionista do
Banco Real da Escócia (Royal Bank of Scotland).
O governo irlandês fez grandes
investimentos nos seis maiores bancos do país.
Na Islândia, os três maiores bancos
foram assumidos pelo governo.
A Countrywide Financial, líder em
hipotecas dos Estados Unidos, foi adquirida pelo Bank of América que, subsequentemente,
obteve o Merrill Lynch, um dos maiores bancos de investimento dos Estados
Unidos – mas o Bank of América solicitou uma grande injeção de capital do
Tesouro dos Estados Unidos.
O governo do país fez um grande
investimento no Citibank.
O governo holandês proporcionou
capital para a ING, o conglomerado de seguros.
Essas crises financeiras e falências
bancárias foram resultado da implosão das bolhas de preços de ativos e das
fortes desvalorizações das moedas; em muitos casos, as crises monetárias
dispararam as crises bancárias.
O custo dessas crises bancárias foi
extremamente alto, considerando várias métricas – as perdas incorridas pelos
bancos em comparação ao Produto Interno Bruto (PIB) de um país e como parte dos
gastos governamentais, as desacelerações das taxas de crescimento econômico e
aumentos no desemprego e nas diversas recessões.
O grande número de falências
bancárias, as mudanças nos valores monetários e as bolhas nos preços dos ativos
foram relatadas sistematicamente – resultado das rápidas mudanças no ambiente
econômico global.
A década de 1970 ficou marcada pela
inflação acelerada, ou seja, o maior nível registrado de aumento de preços nos Estados
Unidos em época de paz.
O preço de mercado do ouro sofreu um
pico porque alguns investidores confiaram no clichê de que o “ouro é uma boa
proteção contra a inflação”.
Entretanto, o aumento do valor dele
foi muitas vezes maior do que a elevação nos níveis dos preços no mundo.
No fim da década de 1970, os investidores
compravam ouro porque seu preço estava subindo – justamente porque os investidores
o compravam.
A visão prevalecente no final dos
anos 1970 era de que as taxas de inflação no mundo iriam acelerar.
Alguns analistas previram que o preço
do ouro atingiria US$ 2.500 por onça (cerca de US$ 88,18 por grama) e os do
petróleo atingiriam US$ 80 a US$ 90 por barril em 1990.
A faixa de variação dos preços das
ações e obrigações em 1970 foi muito maior do que nas décadas anteriores.
Nessa época as taxas reais de retorno
dos títulos do tesouro e ações nos Estados Unidos foram negativas.
Já em 1990, as taxas reais de retorno
das obrigações e ações foram, em média, de mais de 15% ao ano.
As dívidas externas do Brasil e do
grupo de países em desenvolvimento, como México e Argentina, aumentaram de US$
125 bilhões em 1972 para US$ 800 bilhões em 1982.Um clichê da época era “países
não vão à falência”.
Durante esse período, os devedores
tinham uma tradição excelente de pagar os juros dos seus empréstimos
regularmente.
Então, no último trimestre de 1979, o
Banco Central dos Estados Unidos adotou uma política monetária bastante
restritiva, e as taxas de juros sobre os títulos financeiros norte-americanos dispararam.
O preço do ouro teve um pico em
janeiro de 1980 e então começou a declinar quando as previsões inflacionárias
foram revertidas.
O grande aumento nos preços dos
imóveis e das ações no Japão durante a década de 1980 foi associado com uma
“explosão” de crescimento da economia nos últimos anos.
Japan as Number One: Lessons for América
(Japão como Número Um: Lições para os Estados Unidos)1 foi um best-seller em
Tóquio.
Os bancos japoneses aumentaram seus
depósitos, empréstimos e capital muito mais rapidamente do que os bancos com
base nos Estados Unidos, na Alemanha e em outros países europeus.
Na época, sete ou oito dos dez
maiores bancos do mundo eram japoneses.
Então, no início da década de 1990,
os preços dos imóveis e ações no Japão implodiram.
Em poucos anos, muitos dos principais
bancos e instituições financeiras do país estavam quebrados, arruinados,
falidos e insolventes, e continuaram nos negócios somente devido a um acordo
implícito de que o governo japonês protegeria os correntistas de perdas
financeiras se os bancos fossem fechados.
Uma história impactante sobre uma
mania e uma quebra – mas sem pânico, porque os correntistas acreditavam que o governo
iria socializar as perdas com os empréstimos.
Três dos países nórdicos – Noruega,
Suécia e Finlândia – experimentaram bolhas em seus mercados imobiliários e de
ações na mesma época, como resultado de fluxos de entrada de dinheiro
associados com a liberalização financeira.
Suas bolhas estouraram
aproximadamente no mesmo período em que a do Japão.
O México foi uma das grandes
histórias de sucesso econômico no início dos anos 1990, quando se preparava
para entrar no Tratado Norte-Americano de Livre Comércio.
O Banco do México adotou uma política
monetária altamente restritiva que reduziu a taxa de inflação de 140% para
menos de 10% em quatro anos.
Durante o mesmo período, centenas de
empresas estatais foram privatizadas, e as regulamentações e restrições para
negócios no país foram liberadas.
O dinheiro fluiu para o país porque
as taxas reais de retorno dos títulos governamentais e as de lucro sobre os
investimentos industriais estavam elevadas.
As expectativas universais eram de
que o México se tornaria uma base de baixo custo para produção de automóveis e
máquinas de lavar, e outros bens manufaturados para os mercados dos Estados
Unidos e Canadá.
O grande fluxo de dinheiro levou a
uma valorização real do peso, o déficit comercial do país aumentou para 7% e
sua dívida externa, para 60% do seu Produto Interno Bruto.
Então, diversos incidentes políticos
associados com a eleição presidencial de 1994 levaram a um forte declínio no
fluxo de capitais, e o governo mexicano não foi capaz de suportar o peso.
Novamente a desvalorização da moeda
resultou em grandes perdas nos empréstimos, e a maioria dos bancos mexicanos –
que haviam sido privatizados nos anos anteriores – faliu.
Em meados dos anos 1990, os preços
dos imóveis e ações dispararam na Tailândia, Malásia e Indonésia.
Essas eram as “economias dragão” que
pareciam fortes candidatas a emular os sucessos econômicos dos “tigres
asiáticos” – Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Singapura – da geração anterior.
Empresas sediadas no Japão, na Europa
e nos Estados Unidos investiram nesses países como fornecedores de baixo custo,
assim como as empresas dos Estados Unidos e de outros países haviam investido
no México como fornecedor para o mercado norte-americano.
Os bancos europeus e japoneses também
aumentaram rapidamente seus empréstimos para empresas e bancos nesses países.
Os financiadores domésticos na Tailândia
experimentaram então grandes perdas em seus empréstimos domésticos no segundo e
no terceiro trimestre de 1996, porque não haviam sido criteriosos o suficiente
nas avaliações da intenção dos clientes tailandeses em pagar os juros das suas
dívidas.
Financiadores estrangeiros reduziram
drasticamente suas compras de títulos tailandeses, e então o Banco da Tailândia,
como o Banco do México meses antes, ficou sem dinheiro para suportar sua moeda.
O grande declínio do valor do baht no
início de julho de 1997 levou a fugas de capital nos demais países asiáticos e
suas moedas (exceto pelo dólar de Hong Kong e o yuan chinês, que continuaram
firmemente atrelados ao dólar norte-americano) se desvalorizaram em 30% ou mais.
A rúpia indonésia perdeu 80% do seu
valor.
A maioria dos bancos da área – exceto
aqueles em Hong Kong e Singapura – teria ido à falência em qualquer teste de
mercado razoável.
A crise espalhou-se para a Rússia; o
rublo despencou e o sistema bancário do país entrou em colapso no começo de
1998.
Os investidores ficaram então mais cuidadosos:
venderam títulos arriscados e compraram títulos governamentais dos Estados Unidos,
mais seguros, e as mudanças no relacionamento entre as taxas de juros desses
dois grupos de títulos levou ao colapso do Long-Term Capital Management, na
época o maior fundo de hedge do país.